*Por Amably Monari
“Enquanto mulheres usarem poder de classe e de raça para dominar outras mulheres, a sororidade feminista não poderá existir por completo.” bell hooks
A competição entre as mulheres sempre foi um tema árduo e que nos gera controvérsias.
Sendo este um dos temas do quais as mulheres mais me pedem para trazer ao debate em minhas redes sociais, sinceramente, sentia uma relutância em abordar essa temática, por compreender que seria um percurso que nos leva ao diálogo, para além da busca de certo e errado, com possibilidades de construção coletiva a longo prazo.
Primeiramente, não existe um instinto ou uma razão biológica da qual faz com que as mulheres entrem em competição umas com as outras, faz parte de um processo histórico de segregação, assim como acontece nos grupos ditos “minorias” que em realidade quando se juntam se tornam maioria.
Nós mulheres fomos ensinadas a sermos “ESCOLHIDAS”, validando nossa existência por um homem ou uma pessoa, a ser esposa, amor da vida, por um trabalho, por um grupo e hoje em dia no mundo digital, ser escolhida pelas marcas.
E quando essa escolha não acontece há um sentimento de ser “preterida” que invade as mulheres fazendo com que voltem a esse sentimento mais arcaico, como na era dos bailes de gala que quem tivesse o melhor sobrenome, vestido, conexões, pele branca, obediência, a consequência de ser escolhida pelo príncipe da noite, seria dar conta da destruição de especulações e indagações sociais sobre sua virtude, provocada pelo imaginário dela ter algo que a faz mais que as outras e idolatria pelas as que almejavam serem escolhidas
Sabemos que viver em uma sociedade que busca e incentiva padrões de beleza, de corpos, gênero, sexualidade, idade e cor da pele, o sentimento de ser preterida é patriarcal e institucionalizado.
No entanto, as ações são diretivas às pessoas envolvidas, no caso outra mulher e não ao sistema patriarcal.
Posto que a competição não é inato ao ser humano, e sim uma construção social que nos divide para que não descubramos nossa potência ao nos unirmos, nos provoca a indagação; Como poderíamos superar um comportamento enraizado por séculos e ao mesmo tempo sem perder nossa singularidade ao tornarmos coletivo?
Qual a diferença entre sororidade e autocuidado?
A sororidade ou a dororidade, como propõe a atriz Juliana Alvez, nos encontramos na dor e na alegria de nos tornar mulheres todos os dias, nos unindo como categoria de gênero, mulher e dissidentes.
Na dororidade ou na sororidade se faz importante a empatia, a possibilidade de nos colocarmos, abstratamente nos sapatos de outras mulheres e pessoas dissidentes, um instrumento psíquico que desenvolvemos a partir da qualidade das relações que estabelecemos com outras pessoas e o mundo, ou seja, não nascemos empáticas.
Desenvolver nossa empatia no ato de ser sorora com uma outra mulher da qual não pensamos ou não concordamos, é uma das ações humanas mais difíceis.
Desta maneira, ser sorora não é concordar ou silenciar-se, seria respeitar o caminho, abrir a possibilidade de diálogo e construção e quando essa contingência não acontece inviabiliza as mudanças e transformações necessárias de nossas ações cotidianas.
Temos a ilusão de que fazer parte de um grupo ou ser coletivo, perderemos nossa singularidade em prol de “todes”, no entanto, ser coletivo nos pede uma responsabilidade ainda mais consciente sobre AUTOCUIDADO.
Pensar em autocuidado é pensarmos sobre não fazer o que não desejamos, compreender nossos limites, ter a liberdade de dizer e ser como somos, de dialogar sobre nossos pensamentos sejam eles básicos ou mais elaborados, de poder dizer não e não ser punida por isso, de não querer participar de algum evento, ride ou encontrinho e não ser excluída, em outras palavras o autocuidado faz parte do transitar em lugares e relações seguras e saudáveis para nossa própria autenticidade.
Aqui, na Argentina, aprendi que o autocuidado também é direcionado a outras mulheres, de poder dizer francamente sobre as incomodidades sem ser punida ou excluída por ser sincera em seu próprio sentir e pensar sobre as ações de outras para consigo mesma ou direcionada a grupos e outras situações, sempre sob uso da comunicação não violenta.
Desta maneira, o autocuidado, ao contrário do egocentrismo, é uma ação que parte do coletivo para práticas singulares e retorna ao coletivo em sua própria essência.
Sendo assim, ser sorora e ter autocuidado são ações que caminham lado a lado, estarmos livres para dialogar, interagir e construir relações mais estreitas de maneira independente e livre a partir de como nos sentirmos confortáveis e desejantes.
Um outro lado da competição patriarcal é a IDOLATRIA, aquela pessoa que nos inspiramos cegamente, tudo que faz ou diz acatamos como verdade absoluta, vemos mais em relação às rivalidades entre grupos.
Nos inspirarmos em outras mulheres e pessoas dissidentes, é saudável e necessário na representatividade a diversidade na constituição de nossa identidade, nunca saberemos tudo, estamos sempre aprendendo com outres.
No entanto, a idealização de outra pessoa é toxico para quem a sente e para a pessoa idolatrada, por não poder sair do personagem criado pelos outres ou por si mesmes.
Ou seja, já sabemos que o caminho não é a rivalidade criada pela sociedade historicamente para que nos dividíssemos e como resultado dissipar nossa força como coletivo.
QUANDO UMA MULHER AVANÇA, TODAS NÓS AVANÇAMOS!
Vemos comportamentos de competição relacionados a baixa autoestima e perversidade, ou seja, por não confiar em sua própria autenticidade, destrói a visão das pessoas ao seu redor sobre uma outra mulher ou pessoa. A perversidade seria o nível mais desumano das relações a “puxadas de tapete”.
Até aqui já sabemos, e com todos os discursos sobre sororidade, apoio a outras mulheres e textos e frases de impacto, muitas vezes cheios de desejos e esperanças, mas vazios de ações e intencionalidades genuínas.
Mulheres no motociclismo
Tanto para lutar por nossos direitos de sermos mulheres livres quanto para sermos MULHERES MOTOCICLISTAS OCUPANDO nossos espaços, nossa força é o COLETIVO QUE CONSTRUÍMOS EM NOSSA UNIÃO, no entanto o sistema patriarcal para nos dividir faz com que nos tornemos “competidoras” e na verdade nossa união fez com que o mercado das motos, por exemplo, nos vissem como seres humanos que compramos, vivemos, trabalhamos, viajamos, consertamos e produzimos conteúdo de moto.
Sabemos que a sociedade capitalista gera demandas na produção de EXPECTATIVAS e a consequência é sempre FRUSTRAÇÕES, seja na busca individual na utilização de outres como objetos de degraus ou na fofoca da destruição da integridade, a essência é a mesma.
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O que podemos fazer, juntas, para não reproduzir a violência umas com as outras?
Não tenho respostas, e não gostaria de tê-las, proponho que criemos debates sobre o tema, de maneira horizontal, não sobre fulanas, mas sobre ações das quais já não queremos mais em nossas relações, em nossos grupos, em nossos coletivos, propostas de ações concretas em nosso cotidiano.
Diante desta questão, convidei algumas mulheres para esse debate, e compartilho com vocês o que elas pensam sobre o tema e ações em seus cotidianos. Esse debate está organizado de maneira horizontal, respeitando o lugar de falar de cada uma.
Propostas para juntas nos fortalecermos
É notável que as quatro convidadas, concordam com o desconforto gerado pelo distanciamento entre as mulheres pela competição, assim como é perceptível a singularidade de vivências e corpos políticos de cada uma delas. Porém, suas ações e pensamentos são coerentes com suas práticas e propostas.
Cada uma trás uma perspectiva diferente, sobre o como o tema as atravessam, no entanto, todas chegam às mesmas conclusões de que o caminho são ações coletivas de produzir pontos de partidas para diálogo e não distanciamentos.
Estamos acostumadas de que há sempre uma autoridade no assunto, que ditam as regras do jogo, proponho que descentralizemos a hierarquização e que dialoguemos horizontalmente, somos mulheres motociclistas que nos encontramos na própria diversidade de nossas singularidades.
Que não tenhamos mais jogos de manipulação, que a diversão da vivência entre nós mulheres ,seja a comemoração dos avanços individuais e coletivos.
Não precisamos ser conduzidas, como diz o slogan da queridíssima Dride. EU CONDUZO, que possamos CONDUZIR as transformações que queremos, ao nos unir em nossa própria diversidade.
- SE NÃO SABEMOS SER JUNTAS, APRENDEREMOS TENTANDO JUNTAS!
Convide as colegas motociclistas para uma roda de conversa, seja regada com café, cerveja vinho ou água, e proponha um tema para o debate, sem encontrar certo e errado, mas compreender a historicidade do tema, as emoções e sensações que podem emergir da discussão.
- SEJAMOS A TRANSFORMAÇÃO QUE QUEREMOS!
Para um diálogo com amorosidade e respeito proponho uma base inicial:
- Enquanto uma fala as outras escutam até terminar o pensamento e assim a palavra será rotativa e não unilateral.
- Comunicação não violenta: partir do como se sente e pensamentos sobre o tema, sem acusar e responsabilizar e destruir a outra pessoa, mas dialogar com os argumentos e não egos.
Nossa busca não é por ser escolhida, NÃO PRECISAMOS DE AUTORIZAÇÃO PARA OCUPARMOS NOSSOS ESPAÇOS.
A divisão entre as mulheres não é um problema nosso, é uma consequência do machismo e patriarcado, nossa problemática é construir estratégias de proteção e autocuidado coletivamente entre nós. Proponham e construam ações cotidianas, nossa existência é pela união coletiva! Acolha, estenda a mão às mulheres motociclistas. Que as conquistas individuais, grupais e coletivas nos façam tão felizes como as nossas próprias.
Nesse texto não busco definições e respostas e não gostaria de estar nessa posição, meu intuito é gerar mais perguntas do que respostas, mais reflexões que certezas e ao mesmo tempo construir espaços onde possamos nos relacionarmos horizontalmente, alcanço esse objetivo? Não sei, mas prefiro que tentemos juntas.
JUNTAS SOMOS IMPARÁVEIS!
*Amably Monari (@psicoontheroad) é Psicóloga Clínica, ativista social e Mestre em Mudança Social e Participação Política pela USP. Atualmente, viaja de moto pela América Latina captando o sentido da vida Latina por meio da Saúde Mental com o projeto Documental Psicologia por el Mundo.
**A opinião dos colunistas não reflete necessariamente a opinião da revista.