<p>Há uns trinta e cinco anos, quando ainda torciam o meu pepino, pois eu era pequenino, um tio meu fez uma das poucas perguntas que me assombraram por anos a fio, dia após dia, noites adentro. Durante um jantar em sua casa, com um tom sádico que lhe era peculiar, ele me chamou de lado e disse: “Roberto, esta questão eu carreguei por muito tempo, mas nunca resolvi, agora vou passar para você: o que garante que você está vivo, ou existe, senão seus cinco sentidos? Dependemos unicamente do que nosso cérebro capta do tato, visão, audição, paladar e olfato. Frágil, né?” Disse isso com um sorriso sarcástico e nem esperou minha reação, logo voltou para sua refeição. Ótimo, ganhei um parafuso torto a mais na cabeça, uma sarna extra para me coçar por anos.</p>
<p>Aquilo martelava a minha razão e, até algum tempo atrás, ainda me incomodava. Foi quando comecei a me envolver com o motociclismo, e a resposta mais difícil, que por sinal era a mais simples, emergiu: “relaxe, não há resposta, quanto mais o homem pensa, mais Deus ri!”, use os sentidos da melhor forma possível, afinal é o que temos para hoje! Comecei a entender que pilotar uma motocicleta é uma das atividades que têm potencial para ativar todos os sentidos em uma melodia harmônica. Alívio! Comecei a curtir.</p>
<p><img alt="Keep riding!" height="467" src="http://carroonline.terra.com.br//motociclismoonline/staticcontent/images/uploads/149814716texto_620x467.jpg" style="margin:0 auto; display:block;" width="620" /></p>
<p>A visão nos oferece paisagens com quase 360 graus de alcance, treina o olhar periférico no trânsito e escolhe os melhores caminhos a seguir nos terrenos acidentados. Além de sentirmos, ouvimos o vento passar pelas entranhas do capacete. Ouvimos ruídos que poucos escutam dentro de seus carros. A audição acaba por ficar treinada e sentimos com atenção o motor e outros sinais vitais e sutis de funcionamento de nossa motocicleta, seja pelo engatar de uma marcha, seja por estranhos ruídos que nos avisam que algo está errado no “maquinário”. Aprendemos a acreditar mais no que silenciosamente ouvimos. O paladar experimenta gotas de chuva, que insistentes invadem a viseira, assim como nossos narizes percebem todas as notas misturadas ao vento, na chuva, fazendo com que associemos olfatos a locais, paisagens, imagens e pessoas. </p>
<p>O tato junta tudo: vento no corpo, chuva na pele, trepidar do motor, engate de marchas no pé, e arrisco dizer que até o equilíbrio é uma questão do tato que pede licença à audição para usar o ouvido, nos mantendo centrados. Sentimos também a garupa encostada que acaba se comunicando com a gente via uma linguagem corporal tátil e quase secreta.<br />
Tudo isso pode ser sentido mesmo em uma volta no quarteirão, e este conjunto sensorial prefiro chamar de um sexto sentido, que é o prazer inominável de pilotar uma motocicleta. Permito-me chamar este sentido combinado de “motociclismo”. </p>