<p>Outra noite estava conversando com um grande amigo sobre o esporte e qual é a real utilidade dele em nossas vidas. Jogar ou conduzir uma bola com as mãos por sobre uma rede, tentar acertar compulsivamente uma cesta pendurada em um pedaço de ferro e coisas assim. Por incrível que possa parecer o esporte, quanto mais excelência tiver, mais insalubre fica, tanto física quanto psicologicamente. Esses "esportistas" passam por dieta especial, privações familiares, lesões por vezes irrecuperáveis, treinos em excesso, ajustes do equipamento, mais treinos, discussões… Para quê? No mundo prático… nada, zero utilidade!</p>
<p>A conversa naturalmente invadiu o espaço dos esportes a motor e, no meio motociclístico, chegamos quase à mesma conclusão filosófica quando olhamos para os pilotos que arriscam suas vidas percorrendo o mesmo traçado por várias vezes, tentando obsessivamente reduzir o tempo entre uma passagem e outra. Sim, teoricamente, quem faz estas voltas no menor espaço de tempo é o vencedor. Chegar na frente dos outros é uma consequência. Poderiam até correr um por vez, mas aí, além de demorar muito, não haveria aquela quase sádica (e masoquista) possibilidade de acidentes que valoriza uma ultrapassagem em uma curva congestionada, além do que, quando vários correm ao mesmo tempo, aumenta a sensação de que estão jogando.</p>
<p>Em 2013 me propus a ir a um evento que leva tudo isso ao extremo para começar a entender um pouco, tentando focar motocicletas passando a mais de 300 km/h a alguns passos de mim, numa pequena ilha britânica. Estou falando sobre a Ilha de Man e de seu evento anual TT (Tourist Trophy), onde pilotos correm a 350 km/h ao redor da ilha, passando a centímetros de postes, paredes, abismos. Na minha preparação para a viagem, estudando os vídeos das provas, os acidentes, escutando os pilotos, minha vista começou a clarear quanto à utilidade, não exatamente prática, do esporte e de se pilotar.</p>
<p>Prestando atenção nos olhos, na expressão facial desses pilotos falando, a forma como articulam as palavras, você precisa pensar diferente, esquecer um pouco esta forma de ler o que vê, ter o que chamo de "olhar ativo". Olhar como eles olham e entender a linguagem completa de suas expressões e comportamentos, que ao todo compõem uma enorme vontade de conhecer a vida e seus significados através do risco, do medo, de outras emoções misturadas, e tendo a moto como veículo para atingir esse entendimento. Graças a esse olhar, percebi o motivo de pessoas praticarem atividades aparentemente desprovidas de significado, pelo menos às vistas mundanas. Aí você pode transpor parte deste discurso para o basquete, o futebol, a bolinha de gude e a amarelinha.</p>
<p>Tem coisas na vida que não precisam de respostas pensadas. A ignorância teórica e racional, além de ser uma bênção, quase sempre não atrapalha o curso de nossas viagens pessoais. Aqui vale o provérbio: "O Homem pensa enquanto Deus ri". Keep riding!</p>
<p>Por Roberto Severo</p>