Nesta viagem de moto pela Europa, o aventureiro Fábio Soares, a bordo de uma BMW F700GS, desbravou caminhos cheios de belezas, curiosidades e pistas que desafiaram sua experiência de pilotagem. Acompanhe!
Texto e Fotos: Fábio Soares
Para mim, duas das coisas mais bonitas de se apreciar são o mar e as montanhas. O mar é a imensidão, a mescla de força bruta, tranquilidade e beleza. As montanhas são a grandeza, a imponência. Em razão disto, nas minhas viagens de moto, sempre fiz questão de rodar onde pudesse admirá-los.
Como morei alguns anos na Europa, tive a oportunidade de conhecer lugares com paisagens diferentes daquelas que vemos no Brasil. Costa Amalfitana, Picos de Europa, Alpes Marítimos e alguns outros.
Minha casa era em Coimbra, região central de Portugal, onde existem muitas serras. A Serra da Estrela, com seus 1.993 metros é a mais famosa, e o ponto mais alto de Portugal continental. Lugar deslumbrante, com estradas estreitas e muito bem pavimentadas. Era meu quintal, sempre passava por lá.
Certo dia acordei e pensei: vou rodar pelas montanhas. Eu queria alguma coisa nova. Pesquisei no “maps” e apareceram muitas opções na Espanha, tanto ao sul como ao norte. Escolhi um lugar icônico: os Montes Pirinéus.
Trata-se de uma cadeia de montanhas que marca uma fronteira natural entre a França e Espanha, indo do Golfo de Biscaia até o Mar Mediterrâneo. Se estendem em linha reta por cerca de 450km. E numa viagem de moto, isso não pode faltar, não é mesmo?
A saga começa…
Ainda era inverno, então tinha que ser uma trip muito bem planejada porque uma viagem de moto nas montanhas da Europa nesta época pode ser uma coisa não muito inteligente. Pesquisei os locais que abrangem os Pirinéus e decidi ir pela região central.
Como em qualquer viagem pela Europa, os caminhos são sensacionais. Pueblos, comunas e aldeias milenares que guardam a riqueza cultural e histórica do velho mundo. Uma grande vantagem das viagens por aquele continente é que em pouca distância se conhece muita coisa. De Coimbra até a fronteira com França, pelo trajeto mais curto, não chega a 900km.
Escolhi de forma aleatória, sem muita informação sobre o lugar, a região de um parque natural chamado Parque Nacional de Ordesa y Monte Perdido. O nome “Monte Perdido” me chamou a atenção.
Inicialmente, a ideia era acampar. Barraca própria para inverno e outros equipamentos garantiriam meu bem-estar no rígido inverno europeu. Pesquisei sobre a fauna, pois trata-se de uma região selvagem e seria necessário saber quais são seus habitantes. Ursos-Europeus, Linces-Ibéricos? Tô fora, vou ficar num hostel! Apesar de quase extintos, não quero correr o risco de acordar com um urso na minha frente.
Viagem de moto: Sozinho, mas acompanhado
Tudo pronto para mais uma viagem “solo”. Sempre seguindo por estradas secundárias, fugindo das autoestradas, encontrei pelo caminho Salamanca a cidade das catedrais e Tordesilhas. Sim! Foi onde os Reis Católicos de Castela (região da atual Espanha) e o Rei de Portugal assinaram, em 1.494, o famoso tratado dividindo o novo mundo entre eles. Aprendemos isso na escola. Passei a noite em Valladolid.
Na manhã seguinte, depois de algumas horas rodando pelas planícies da região centro-norte de Espanha, cheguei nas montanhas. O cenário muda totalmente. As grandes retas ficaram para trás e surgiram inúmeras curvas. Naquela estrada deserta o sol era o companheiro. A “armadura” não deixava o frio indesejado se fazer sentir.
No caminho sinuoso a paisagem tinha um protagonista: os Montes Pirinéus. A cada curva eles pareciam brincar. Ora surgiam, ora sumiam, sempre se mostrando em pequenas partes e por pouco tempo. Outras montanhas, talvez menos belas, eram as que se mostravam por inteiro.
Como uma criança que se cansa do jogo, eles resolveram aparecer por completo em toda sua grandeza. Apesar de ainda distante, sua beleza hipnotiza. Por mais e mais que andasse a distância sempre nos separava. E segue a viagem de moto!
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Perrengues e aventuras
Finalmente chego aos seus pés. Altitude aumentando e o frio também, cerca de 2ºC. A neve, ao lado da estrada, me acompanhava em alguns pontos. Em dias de sol a pista não tem muito perigo de formação de gelo, exceto onde há sombras. Nas curvas é sempre importante ficar atento a este detalhe.
Quando menos espero sou recebido por um anfitrião inusitado. Uma Camurça-dos-Pirinéus cruza o caminho tranquilamente. Magnífico! Sigo subindo. Após um trecho em terra (por opção), finalmente chego a um pueblo chamado Torla, com pouco mais de 200 habitantes.
“Como uma cidade nos altos Pirinéus aragoneses, a uma altitude de 1.033 metros, Torla-Ordesa tem sido um ponto de passagem de fronteira durante séculos. Sua situação geográfica marcou sua história, sofrendo permanentes incursões e cercos dos franceses, principalmente com os vizinhos do vale de Barèges. Embora sem comunicação rodoviária com a França, o município de Torla-Ordesa também manteve laços estreitos com o país vizinho que influenciaram o seu modo de vida, sendo passagem de gado desde o século XIII.” – (fonte: https://www.torla-ordesa.es/).
Torla é onde quero ficar! Instalado num hostel à beira da pequena estrada, saio à pé para conhecer o lugar. Demais! História, paisagens e gente simpática das montanhas. À noite, temperatura negativa. Coloco balaclava, luvas e caminho tirando muitas fotos dos picos nevados daquela bela noite fria de lua cheia.
Dia seguinte pela manhã o frio intenso não me desencoraja. Após um ótimo “desayuno” com a tradicional e deliciosa “tortilla de patata” decido seguir por uma estrada mais do que secundária, poderia ser considerada quase uma trilha não fosse totalmente asfaltada. Esta “trilha” asfaltada segue em direção à fronteira com a França. Ah, nada mal almoçar em França, pensei.
A exploração dos caminhos continua nesta viagem de moto!
Não sabia exatamente onde ia desembocar o tal caminho, mas essa é uma das coisas que mais gosto em viagens pela Europa. Você sempre acaba em algum lugar espetacular. Conforme subia pelos Pirinéus os picos nevados iam se aproximando.
Surge outro pueblo, Fanlo. Algumas poucas dezenas de casas encravadas no alto da cordilheira. Como seria morar em um local tão pequeno e tão afastado? Sigo em frente. Curvas apertadas que me forçam a andar a não mais do que 30km/h, quando muito.
Surge à minha esquerda um miradouro pequeno com uma vista de tirar o fôlego chamado Mirador del Cañón de Añisclo. Passei talvez mais de 1 hora apreciando aquele ponto maravilhoso.
Seguindo em frente, em certo momento pensei o quão especial estava sendo aquele rolê. Somente eu e minha BMW F700GS naquele cenário simplesmente inacreditável. Mas não éramos somente eu e minha moto.
Enquanto dirigia atento ao caminho e às belezas, passou debaixo de mim a sombra de um pássaro que mais parecia um planador. Tomei um susto. Era enorme. Uma envergadura gigante. Parei imediatamente e passei a fotografar aqueles seres voadores. Nunca tinha visto um pássaro daquele tamanho. Mais tarde pesquisei e descobri que eram Abutres-Pretos dos Pirinéus (Aegypius monachus), a maior ave de rapina da Europa com envergadura que chega a 3,10m, peso de 14kg e altura de 1,20m.
Recuperado do susto e da surpresa, continuei a rodar. A “trilha” asfaltada acabava na estrada principal, que não era nada mais do que uma pista simples sem acostamento. Poucos quilômetros à frente, próximo a um túnel, a placa indicava “Francia”. Opa! Que beleza!
Como de costume nas montanhas, o túnel é o caminho mais curto entre dois pontos. Entrei nele na Espanha, saí na França, região da Occitânia. Coisas de Europa!
Espanha, França e ainda mais…
Assim que saí do túnel um cenário totalmente diferente apareceu. Neve por todos os lados até a beira da pista. No lado espanhol a neve estava só no alto dos picos. Muito curioso isso! A explicação: o vento vinha do leste e baixava muito a temperatura no lado francês. No lado espanhol – a oeste, a cordilheira impedia a passagem do vento frio, mantendo a temperatura não tão baixa.
Depois de alguns minutos fazendo fotos e observando as pessoas brincarem na neve segui a estrada com cenário todo branco. Não só a paisagem mudou, mas também a estrada, agora descendente. As encostas não são mais tão próximas à pista, nem tão íngremes. O traçado mescla curvas progressivas com “cotovelos” que vão me levando a altitudes menores.
Surge um pequeno rio ladeando a estrada e placas começam a informar “Saint-Lary-Soulan”. É uma estação de esqui e estação termal fincada nas montanhas da região francesa dos “Hautes-Pyrénées (Altos Pirinéus)”. Lugar muito bem estruturado e sofisticado.
Fechando a conta!
Era fim de inverno, as condições de esqui já não eram as ideias. A cidade não estava tão movimentada, mesmo assim os restaurantes estavam cheios. Escolhi um restaurante italiano, apesar de estar na frança. Depois de andar bastante à pé por lá, tirei muitas fotos e comprei mais uma caneca para minha coleção. Hora de voltar para Torla.
Incrível como uma mesma estrada tem um visual num sentido e muda totalmente quando se inverte o caminho. Em Torla, à noite, jantei no hostel e fiquei conversando com os locais. Estavam curiosos para saber como descobri o pueblo e por que acabei parando lá, pois não é comum estrangeiros escolherem aquele pueblo tão pequeno.
Depois da explicação disse que voltaria por Segóvia, então me deram uma sugestão de experimentar o “Cochinillo Segoviano”. Assim o fiz. É um leitão assado simplesmente divino. Quem for a Segóvia tem que experimentar.
O retorno não foi menos prazeroso. Outra rota, outros visuais, outras cidades e a incessante vontade de vagar pelo mundo. Wanderlust!
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