As loucas transformações de um mercado brasileiro em ebulição!
Texto: Carlãozinho Coachman
Fotos: Reprodução / Motostory
Anos atrás, em uma das visitas que fiz a Milton Benite e família, ele me disse com todas as letras: “Carlão, você precisa entrevistar as pessoas que viveram os anos 1970, jovens e adultos, eles ainda estão aí, muitos deles, e com saúde. Foram anos mágicos e eles têm muita história para contar. Vai antes que fiquem velhos demais!” E deu uma risada gostosa.
Quando este trabalho do Motostory começou, e o nome ainda nem existia. Procurei os amigos Ricardo Pupo e Marcos Pasini, do site Motosclassicas70. Eles já tinham feito um trabalho incrível de pesquisa, e muita coisa legal já estava publicada. Expliquei a eles o que ainda era uma ideia e pedi: “Preciso de ajuda. Posso usar o conteúdo do site?” – “O que você quiser, Carlãozinho. Pode usar o que você quiser… E se a gente puder ajudar mais, conte conosco.”
Outro dia, em uma conversa informal, eu estava narrando um momento da entrevista que fizera anos atrás com o casal Murakami, Massuo e Mitika. Ele, rindo, me descrevia suas peripécias quando do lançamento da Honda CG 125 em 1976. “Eu colocava ela na garupa e ia visitar os revendedores de automóveis, para mostrar a CG.
E no fim do dia, ia passear na Augusta (Rua Augusta, em São Paulo), desfilar com a moto, e com ela.” E deu uma sonora e descontraída risada… E a esposa ainda completou: “Era um desfile mesmo.” Uma parte do grupo era de vinte e poucos anos e não captou o “Efeito Augusta”, enquanto os mais velhos riram solto. Eles entendendo perfeitamente o que era “desfilar na Augusta”, ou na Savassi, em BH, ou pelo Postinho, no Rio de Janeiro, naquele tempo.
Cada momento da história tem sua magia e seu significado, mas muitos concordam que o final dos anos 1960 e a década de 1970 chacoalharam a humanidade em todos os aspectos, político, cultural e industrial. A contracultura, a Guerra Fria, Vietnã, o governo militar no Brasil, os Novos Baianos, a explosão do rock’n roll. Veja que as principais bandas e artistas da época continuam encantando jovens de todas as idades até hoje, e ouvir do meu filho: “Eles são os melhores!” é apenas mais uma confirmação. Eles são os melhores, ainda no presente mesmo.
Mas voltando às motos e ao Brasil, foram anos marcados pelo glamour das importadas no início da década, a explosão da indústria japonesa e sua invasão no Brasil, os anos de ouro da motovelocidade brasileira e o início do motocross por aqui. Também foram os anos do fechamento das importações e do início da produção de Yamaha (em Guarulhos, SP) e Honda (em Manaus, AM), ao longo do tempo transformariam definitivamente o país em um dos maiores mercados de motos do mundo.
Um outro acontecimento global da década, a crise de abastecimento do petróleo, conhecida como a crise da Opep, geraria um efeito dominó na maneira como os veículos a motor eram tratados. Os “motorzões” que bebiam litros de gasolina por quilômetro rodado precisavam mudar. Limites de velocidade foram fixados (e permanecem até hoje), não como medida para aumentar a segurança, mas como forma de conter o consumo de combustível.
O surgimento do Pró-Álcool no Brasil para a criação do álcool combustível, o fechamento de postos de gasolina aos finais de semana, tudo contribuindo para a diminuição do consumo. Também nesse aspecto as motos de pequena cilindrada se apresentavam como solução. No alto desta página a evidente transformação, da poderosa e nobre quatro cilindros e todo o status que ela carregava, para a pequena, prática e econômica 125.
Vender status era “mais fácil” do que vender praticidade e economia. Como, então, dar nobreza ao novo produto? Usar a imagem do melhor jogador de futebol de todos os tempos era a solução. Muitos também não conseguem entender o tamanho desta campanha tendo Pelé como garoto-propaganda. Pelé era, e é, muito maior em termos de futebol (e imagem) do que qualquer outro atleta na história. O personagem que chegou a parar uma guerra civil para que a população pudesse ver sua arte, e que durante muito tempo foi o ser humano mais reconhecido no planeta, era agora o personagem que dava a nobreza a um novo, simples, econômico e barato lançamento.
Ônus e bônus
Qualquer decisão, seja ela qual for, traz sempre consequências, algumas boas, outras nem tanto. O fechamento das importações tiveram efeitos nocivos em diversos setores da nossa economia, geraram represálias internacionais de países exportadores, mas também serviu para impulsionar a indústria nacional de duas rodas. Há quem diga que o mercado de motos brasileiro cresceria de uma forma ou de outra ao patamar do milhão de unidades ao ano que conhecemos, mas eu tenho lá minhas dúvidas. E foi justamente esse crescimento exponencial que vivemos nas décadas seguintes, graças à decisão estratégica tomada lá nos anos 1970, que nos transformamos na potência que somos hoje.
Foram justamente os mais de 20 milhões de motocicletas circulantes no país que atraíram praticamente todas as subsidiárias de marcas importantes. Sim, ainda há espaço para os importadores (só um brasileiro para entender e navegar os mares bravios de nossa economia), mas praticamente todas as grandes marcas optaram por instalar suas próprias subsidiárias no país, mesmo que contando com um corpo de executivos profissionais brasileiros, para implantarem políticas de mercado internacionais.
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Mais uma vez, uma crise mundial vem chacoalhar nosso mercado, colocando em cheque políticas de produção, o comportamento do consumidor e mais uma mudança na forma de se adquirir e usar a motocicleta. Estamos vivendo hoje um período de transformação tão ou mais importante que aquele dos anos 1970.
Quem sabe, uma olhadinha na história nos ajude a entender o que pode estar por vir, não é “Pressão”? “Vai ouvir, Carlão, os personagens do anos 1970.”
Texto publicado na edição 271 da revista MOTOCICLISMO
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