Conversamos com Alexandre Cury, diretor comercial da Moto Honda que, aos 46 anos, já acumula 20 anos de experiência no mercado de veículos e 18 anos atuando pela Honda. Sob sua responsabilidade, as ações de uma marca que detém 80% do mercado nacional.
Como é trabalhar na maior fabricante de motos em atividade no Brasil?
AC • Sinto-me orgulhoso em fazer parte do time da maior fabricante de motocicletas do Brasil e ter a oportunidade de contribuir para uma das maiores operações de duas rodas da marca no mundo. Sinto uma enorme responsabilidade em corresponder à altura através da área comercial ao incrível trabalho realizado por milhares de colaboradores e envolvidos, desde as áreas de pesquisa e desenvolvimento, produção em nossa fábrica de Manaus, assim como pela nossa cadeia de fornecedores e, pelos nossos concessionários.
Destaco os nossos concessionários, pois eles são a parcela de toda a “cadeia” que tem o desafio e o privilégio de se relacionar com os nossos clientes dia após dia. Nesses 45 anos de atuação, a Honda conquistou e fidelizou mais de 22 milhões de clientes de norte a sul do país. Os clientes são a chave fundamental do nosso negócio, e sem eles a empresa não existiria.
Como a interminável crise política e econômica do Brasil afeta os negócios da Honda?
AC • A crise tem dois aspectos principais para a empresa, um de curto e outro de médio/longo prazo. O primeiro são os ajustes necessários devido à retração profunda que o segmento sofreu nos últimos anos por conta da escassez de crédito e, mais recentemente, pela própria confiança do consumidor em assumir compromissos futuros que comprometam sua renda. Nesse aspecto, toda a cadeia, ou seja, desde os fornecedores, a própria Honda e a rede de concessionárias vêm se adaptando ao tamanho atual do mercado.
O segundo é sobre as perspectivas futuras: a despeito da redução expressiva nas vendas de motocicletas 0 km nos últimos anos, o mercado total (0 km mais usadas) não sofreu alterações e continua na ordem de 4 milhões ao ano. Dessa forma, podemos concluir que o desejo e a necessidade do brasileiro por uma motocicleta não mudou em absolutamente nada, o que há é uma maior dificuldade de acesso à motocicleta 0 km.
O consórcio é um alternativa excepcional nesse sentido. Estamos passando por um processo acelerado de envelhecimento da frota, isso é preocupante, pois, nesse ritmo, as novas tecnologias para redução de consumo, emissões de poluentes, novas normas de iluminação e freios levarão mais tempo para substituir a atual frota em circulação. Nesse aspecto, como líderes de mercado, estamos nos empenhando para que tais tecnologias, importante spara a sociedade, sejam popularizadas. Estamos mantendo rigorosamente o nosso cronograma de lançamentos e atualizações de modelos. Não deixamos que a crise afete esse aspecto.
Além das motos, a Honda também comercializa carros. Existe ainda um preconceito no Brasil quanto ao uso das motos?
AC • Não acredito. O que as pessoas não aprovam é o mau comportamento no trânsito, seja por parte de um motociclista, motorista, ciclistas ou pedestres.
A disputa pelo mesmo espaço público, oriunda do aumento da frota de todos os tipos de veículos em relação aos investimentos públicos que não seguem no mesmo ritmo, naturalmente gera tensões. Esse ambiente somente poderá apresentar mudanças através de educação e conscientização, ou seja, é um desafio de toda a sociedade e não apenas de um segmento ou outro.
Porém é interessante observarmos alguns movimentos que ocorrem naturalmente na sociedade: em alguns segmentos, como alta cilindrada e scooter, temos percebido muitos consumidores comuns, ou seja, pessoas que possuem um automóvel da nossa marca e também uma PCX, uma SH 300, Africa Twin ou outros modelos. Essa tendência é muito positiva, pois traz uma grande oportunidade para que motoristas e motociclistas passem a compreender mutuamente a realidade do outro no trânsito.
Porque a Honda dividiu sua rede em concessionárias Honda Dream e convencionais? Para tentar fortalecer a imagem de marca premium, para competir com Triumph e BMW, por exemplo? Gostaríamos que explicasse esse conceito e, se desde seu início, em 2011, está atendendo as metas que motivaram sua criação?
AC • Não dividimos a nossa rede. É importante deixar claro este conceito: a rede Dream foi criada a partir da nossa rede existente de Concessionárias Autorizadas, seja através de Pontos Dream (lojas à parte) como Espaços Dream (em conjunto no mesmo show room). Não criamos esse conceito com olhos na concorrência, e sim na demanda de nossos clientes, que nos pediam um espaço de atendimento específico para este segmento, indo além das motocicletas, ou seja, passando por vendedores com treinamento diferenciado além de acessórios e equipamentos.
A que você atribui a liderança esmagadora no mercado de motos brasileiro? Ter apostado desde o início no motor 4 tempos, o tamanho da sua rede de concessionárias ou ao fortíssimo consórcio Honda?
AC • São todos esses fatores e outros tantos. No mesmo raciocínio da introdução de motores 4 tempos no passado, a Honda vem sempre mantendo a vanguarda de novas tecnologias. Gostaria de destacar alguns exemplos no segmento de baixa cilindrada: a introdução da tecnologia FlexOne, dos freios C-ABS na XRE 300, assim como o Combi Brake (CBS) na CG160 Titan e mais recentemente o ABS 1 canal na XRE190.
Reforço a vanguarda também no benefício ao cliente, em que, sempre de forma inovadora, introduzimos e expandimos para todo o line-up e de forma inédita no mundo a garantia de três anos com sete trocas de óleo gratuitas. A rede de concessionárias é um ponto fundamental: são mais de 1 200 pontos, um atendimento pós-venda com elevados níveis de qualidade e satisfação de nossos clientes, assim como a disponibilidade de peças com preços competitivos.
Por fim, o Consórcio Nacional Honda é a grande mola impulsionadora da marca com mais de 1,8 milhão de clientes ativos. O Banco Honda também é fundamental para viabilizar a compra da motocicleta em regiões onde essa modalidade de compra é mais presente.
Com o tamanho e a força que a Honda tem, porque não existe um programa de passeios e viagens, como, por exemplo, os promovidos pela BMW e Triumph?
AC • Um dos diferenciais da marca Honda, além do amplo line-up, com modelos para diferentes perfis de consumidores, é a forte presença em todos os estados brasileiros, com a maior rede de concessionárias de veículos do País. Para que possamos levar atendimento e serviços exclusivos aos nossos clientes de norte a sul do Brasil, contamos com o trabalho da rede que, suportada por nós, realiza programas de passeios e viagens nacionais e internacionais.
Os motopasseios promovidos pelas concessionárias Honda acontecem simultaneamente em diferentes regiões e são abertos a todos os interessados em explorar novos lugares sobre duas rodas e trocar experiências com outros viajantes aficionados por motocicletas.
Com a saída do CTX 700, a Honda ficou sem nenhuma custom na sua linha de produtos. Esse segmento não interessa para a Honda?
AC • Procuramos oferecer o maior número de opções em vários segmentos que atendam as necessidades de todos os perfis de clientes. Não foi diferente com o segmento custom, onde por muitos anos atuamos com a Shadow e mais recentemente com a CTX 700. Porém, como vocês sabem, no Brasil o Promot 4 fase 2 chegou antes do Euro 4 vigorar, o que inviabilizou neste momento a continuidade do modelo no Brasil.
Estamos sempre atentos e acompanhando as possibilidades desse segmento no nosso mercado, dentro da nossa estratégia de produtos de alta cilindrada, uma vez que são modelos globais.
Em todo lançamento da marca, nossos leitores reclamam do preço das motos, como no caso da recém-lançada Africa Twin. Qual é a justificativa para os preços praticados?
AC • Apesar da posição de destaque da Honda, tanto o segmento de baixa como o de alta cilindrada são altamente disputados e competitivos em todas as regiões. Quando falamos de baixa cilindrada, devemos sempre analisar o valor do produto do início ao fim, ou seja, o preço da motocicleta em si, os custos de manutenção, consumo de combustível e finalmente o valor de revenda. Tudo isto compõe o valor intrínseco da motocicleta.
Baixa manutenção, consumo menor e outros benefícios são alcançados a partir dos investimentos em alta qualidade e tecnologia a um preço razoável. Já o segmento de alta cilindrada é totalmente diferente. As referências de preço são muito voláteis, uma vez que altíssimos bônus e outros incentivos como taxas subsidiadas dificultam a comparação direta de preços.
Quando avançamos para outros custos marginais, como valor de revenda e seguro, tal comparativo se torna ainda mais complexo. De qualquer forma, a Honda jamais se acomoda, o feedback dos atuais e potenciais clientes é fundamental para analisarmos o mercado e trabalharmos para atender cada vez melhor as expectativas.
Qual é a moto mais importante da linha atual da Honda? Tanto no aspecto comercial quanto no institucional.
AC • Em termos históricos, a CG é um ícone para a trajetória da Honda, para o mercado nacional de motocicletas e para milhões de brasileiros que buscaram no modelo uma solução de mobilidade mais econômica e prática, mas sem deixar de lado a qualidade, tecnologia e sensação de liberdade de estar sobre duas rodas.
São mais de 11 milhões de unidades comercializadas em 40 anos de produção nacional, o que faz da CG o veículo mais vendido do Brasil. Porém temos de fazer jus a outros modelos de enorme sucesso e que, inclusive, vem ganhando cada vez mais espaço no mercado como a Pop 110i, Biz 110 e 125 e Bros 160.
A Honda finalizou 2016 com 56 títulos nas competições em que participa, uma grande marca. Qual é o investimento da marca com competições? A premissa para tal investimento é a do “ganha no domingo, vende na segunda”?
AC • Sim, existe o raciocínio “ganha no domingo, vende na segunda”. Porém, no caso da Honda, ele vai além: o Racing está no DNA da marca, não é uma frase de efeito, mas uma realidade em nossa empresa. Esse DNA está apoiado na célebre frase de nosso fundador, o sr. Soichiro Honda, que disse: “Sem competições, não há Honda!”
Texto: Marcelo Barros Fotos: Divulgação/Honda
*Reportagem publicada originalmente na edição 232 da revista MOTOCICLISMO.