<p>E no início tudo era um Fusca, branco, 1982. Estávamos em 1987, e eu, completando dezoito anos. Claro que já havia me matriculado em uma autoescola — o atual CFC — meses antes de completar a maioridade. Tudo era novidade. A experiência de conduzir um veículo pelas nem tão congestionadas vias da capital paulista era libertadora. Tudo muito bem, até que depois de poucos meses de convivência com "Pipoca Queimada", o Fusca, conheci aquela com a qual me casaria por um bom período de tempo.</p>
<p>Quem me apresentou foi um colega de trabalho. Ela o levava todos os dias ao escritório e ficava aguardando até o final do expediente para carregá-lo de volta ao lar. Uma Honda XLX 250 preta, ano 1986, linda. Mês entra, mês sai, "ela" começou a ocupar um lugar especial em mim. Sim, cobiçava a donzela metálica do próximo, sem culpa. Dia após dia, noites a fio, estando ela suja ou limpa, a admirava sempre ali, na soleira da porta do escritório.</p>
<p><img alt="Propaganda da XLX 250, a "Maria das Dores"" height="467" src="http://carroonline.terra.com.br//motociclismoonline/staticcontent/images/uploads/motociclismo_cronica_xlx_250r_honda2_620x467.jpg" style="margin:0 auto; display:block;" width="620" /></p>
<p>Naquela época, quando não se financiava motos em sessenta meses, e crédito bancário era mais difícil do que acordar defunto, a marca mais famosa do mercado era uma tal de OQTM — "O Que Tinha no Momento" (era mais ou menos o meu perfil favorito com relação ao sexo oposto também). E aquela XLX era uma bela OQTM. Até mesmos seus pequenos defeitos, comentados por todos no escritório — como a resistência em acordar nos dias frios (só no tranco), ou a dificuldade de regular os dois carburadores de suas entranhas —, pareciam implicâncias e inveja de candidatos <br />
mal-sucedidos.</p>
<p>Depois de vários meses de amor platônico, eu já estava dominado. Corpo e mente. Precisava daquela "OQTM" de 250 cm³. Foi quando, em uma segunda-feira ensolarada, fiquei sabendo pelo meu chefe que o casamento de "Maria das Dores" — nome que fantasiosamente já havia atribuído a ela — estava desmoronando. Seu proprietário queria se separar e desejava um carro… O Fusca branco imediatamente veio à minha cabeça! Tinha que oferecê-lo como moeda de troca. Nem que tivesse que vender a minha alma no banco traseiro e um rim no porta-malas.</p>
<p>Amigón, foi um dos piores negócios financeiros que fiz na vida! Na troca, dei o carro e vários Cruzados. Nem verifiquei se o IPVA estava pago, multas, nem queria saber! Queria "ela"! Em pé, apoiado na mesa do dono da XLX, com os olhos cheios de sangue, visão meio turva, olhar estilo "O Exorcista", fui fazendo proposta em cima de proposta, até que ele cedeu, seja pelo negócio financeiramente irrecusável, seja por pavor de mim. Mas voltei montado em "Maria das Dores". Ah, voltei! Naquela noite a caminho de casa, lembro que batizei o capacete com uma gota salgada de felicidade que escorreu pela minha bochecha. </p>
<p>Hoje observo que tudo é mais prático, fácil e mecânico. Não sei se perdi algum vagão ou o trem inteiro desde 1987, mas sinto que algumas vezes o anseio que os jovens têm de trocar o ônibus ou metrô por uma moto, é diferente da motivação pela qual troquei meu Fusca pela "Maria das Dores". Hoje, a moto parece vir para facilitar e fazer parte da vida cotidiana, ontem, vinha para fazer parte de nós. Keep Riding.</p>