Valeu a pena o bate-papo com Carlãozinho Coachman, curador do Centro Cultural Movimento, em Socorro (SP), para saber dos bastidores da criação do novo museu de motos e bicicletas. Conheço bem esse sonhador. Ainda adolescente, ele entrou de mãos dadas com o seu pai na redação onde eu era estagiária. O pai era Carlão Coachman, falecido em 2006. Agora, Carlão faz parte do acervo, assim como muitos outros ídolos do passado, que mostram como é rica a nossa história.
O Centro Cultural Movimento é muito completo, além de charmoso, pois foi montado em uma estação de trem do começo do século passado, restaurada, que mantém a sua arquitetura original. O acervo de motos mostra alguns modelos incríveis. Entretanto, fiquei encantada com uma Yamaha RD 50 amarela, exatamente igual à minha primeira moto, Ana Carolina. Sim, ela tinha nome! Na parte de bikes, a Caloi 10 me relembrou o meu início de carreira, quando cobria a área de bicicletas – só depois fui “promovida” para as motos.
O espaço vai muito além de produtos, com milhares de documentos, troféus, equipamentos, enfim, tudo aquilo que revela a força do motociclismo e do ciclismo no Brasil. Estive lá na inauguração! Mas indico a região como roteiro para viajar em um fim de semana, ou mesmo tirar alguns dias de descanso. A cidade de Socorro tem várias atrações: trilhas de moto, bons restaurantes, hotéis acolhedores, inúmeras atividades para ciclistas, motociclistas e ótimas opções para turismo de aventura. Diversão para todos!
Vamos ver agora o que falou Carlãozinho Coachman, em texto e em vídeo.
O Centro Cultural Movimento é o primeiro de motos e de bicicletas do país?
Carlãozinho – Não é o primeiro, nem o maior museu de motocicletas e bicicletas. Mas é um espaço criado com base no trabalho do Motostory. O grande diferencial dele é retratar as pessoas que fizeram o mercado brasileiro de motos e também do Bikestory, do mercado de bicicletas. Praticamente tudo o que temos exposto conta a história de alguém. Nosso espaço está dividido em três áreas principais. Um deles é a sala dos troféus, onde temos algumas “joias da coroa”. Há também o hall da fama, enaltecendo pessoas que merecem ser imortalizadas. Por último, o salão nobre é a maior área, onde temos motos e bicicletas expostas, e também uma linha do tempo: uma série de documentos que retratam a nossa história desde o início do século 20.
Qual o tamanho desse acervo?
Carlãozinho – Nós temos, talvez, o maior acervo documental sobre a moto e a bicicleta. São milhares e milhares de documentos. Agora vamos iniciar um trabalho de organização e digitalização desse material. Temos jornais do início do século passado e por isso os originais não ficarão disponíveis para o público. Na área de exposição, recebemos itens de motocicletas e bicicletas, a maior parte cedida por tempo indeterminado (itens que não foram doados, que continuam pertencendo aos seus donos). De veículos, temos expostos aqui 39 bicicletas e o mesmo número de motos. Eles dão uma bela mostra dessa trajetória histórica. Como o espaço não é tão grande, vamos mudando as exposições ao longo do ano. Teremos, ao menos, três temas anuais, para que também o público retorne para ver as novidades.
Como é que você se envolveu nesse projeto de criação de um museu?
Carlãozinho – Nós dois estávamos juntos, trabalhando na MOTOCICLISMO, quando criamos o prêmio Moto de Ouro, lembra? A Racing já fazia o Capacete de Ouro para o automobilismo. Um dos alicerces do Moto de Ouro era homenagear pessoas. O primeiro troféu foi dado para o Gualtiero Tognocchi, em 2001. Ele faleceu em 2004, o Mário (filho de Gualtiero) faleceu no ano passado. Enfim, o troféu do Moto de Ouro que demos para o Gualtiero está aqui exposto. Essa vontade de valorizar a nossa história e seus personagens é antiga e dividimos juntos. Quando eu dei início no trabalho do Motostory, indo atrás dos documentos, comecei a perceber que era tudo muito maior, até chegar ao Centro Cultural Movimento. Mas não foi um caminho linear. Muitos obstáculos pelo caminho!
Você chegou a desenvolver um projeto com o Ruy Ohtake?
Carlãozinho – Esse projeto continua sendo um objetivo. Quando imaginei o museu, queria algo grandioso, um desenho impactante. Pensei nisso em março de 2015. Em outubro do mesmo ano eu estava dentro da sala do Ruy Ohtake* e ele “comprou” a ideia. Eu falei que tinha dois caminhos: ou fazer quando eu tivesse o dinheiro ou que ele me emprestasse o seu nome e talento para eu seguir trabalhando, indo atrás de patrocínio. O nome Movimento saiu da cabeça dele. Continuo com a mesma ideia em mente, de também ter um espaço com a assinatura desse renomado artista. Eu mostrei esse projeto para a Prefeitura de Socorro e foi muito bem recebido. Mas o prefeito achou que seria algo mais para o futuro. Só que ele já tinha aprovado a recuperação da antiga estação ferroviária, um prédio de 1909. E ainda não havia uma ideia de como utilizar aquele espaço. Em 2019 recebemos mais de 8.000 visitantes na Exposição feita no Museu Municipal da cidade: o nome foi Duas Rodas e uma Nação. Depois veio a pandemia, mas mesmo assim as coisas foram acontecendo. Até que agora inauguramos o Centro Cultural Movimento.
Socorro já é uma cidade conhecida pelas suas atrações esportivas, pelo esporte de aventura…
Carlãozinho – Socorro foi famosa pelas tecelagens, tem uma produção rural importante e divide com Brotas (SP) o título de capital brasileira do esporte de aventura. Ou seja, não falta atração para a família toda. Aqui tem um pouco de tudo. Tem a Pedra Bela Vista, com um pôr do sol maravilhoso. Tem o rio dos Peixes, onde acontecem as boias cross. A rede hoteleira é bastante boa. O acesso é legal, estamos no coração dos circuitos das águas paulistas: 18 km de Lindóia e pertinho de Serra Negra (SP). A divisa de Minas Gerais é aqui ao lado. Dependendo do local onde a pessoa está, é melhor vir pela rodovia dos Bandeirantes e contornar Campinas, na região de Jaguariúna. Ou vir pela rodovia Fernão Dias e cruzar por Bragança Paulista, que é o caminho mais curto.
O Museu é aberto ao público, certo?
Carlãozinho – Abre de quarta à domingo, o ingresso é de R$ 20 e vale para o dia todo. Sabe como é: os grupos chegam, depois vão dar uma volta pela cidade, depois retornam. Esse ingresso permite o retorno durante todo o dia. Mas o cidadão socorrense não paga nada nos dias úteis.
Já tem atrações diferentes previstas para o próximo ano?
Carlãozinho – Sim, já temos um calendário bem amplo, que inclui o lançamento do livro “Duas Rodas e uma Nação” e do livro “João Bike Show Mendes”. Além do lançamento do documentário “Aconteceu em Daytona”, com a vitória do Netinho em 1983. Vamos lançar o Socorro Moto Classic, um evento anual de encontro de motos clássicas. Tem também um encontro de hard enduro que acontece aqui na cidade, faremos uma série de atrações aqui no museu. O Enduro da Independência larga de novo daqui, em setembro de 2022. A taça já está exposta à espera do evento. Vamos promover encontros de motos e bicicletas a partir do Centro Cultural Movimento. Já temos previstas exposições sobre as vidas de Alexandre Barros e de Eric Granado. Vamos anunciando no site, nas nossas mídias sociais, nos nossos parceiros. Naturalmente que a MOTOCICLISMO faz parte importante dessa divulgação.
Como você relaciona esse sonho com o seu pai, Carlão Coachman?
Carlãozinho – Isso tudo começou justamente com o pai, em uma homenagem que a CBM (Confederação Brasileira de Motociclismo) fez a ele, em 2004, por ter sido o promotor do trial no Brasil. Na época eu era editor da MOTOCICLISMO. E, nessa festa de entrega, fiquei surpreso: muitos convidados não sabiam do envolvimento do meu pai com o trial. Decidimos escrever um livro, com base nas memórias dele. Mas ele faleceu antes, apesar de já ter escrito algumas coisas. Aí que deu um start de eu começar a ligar para as pessoas, para resgatar essa história. Depois, devagarzinho, os apoiadores começaram a vir.
Aproveito para convidar os nossos leitores a irem visitar o Centro Cultural Movimento. Quer finalizar falando o quê?
Carlãozinho – Nós somos um país que maltrata a nossa memória. Muitos dos erros cometidos ao longo do tempo, no Brasil,aconteceram porque jogamos fora a nossa própria história. Todas as nações que são grandes no mundo contam as suas histórias em todas as esferas da sociedade. Eu acredito que a nossa merece ser conhecida. Se erramos, os nossos erros não podem ser esquecidos para que não se repitam. E se nós acertamos e temos os nossos heróis, que eles sirvam de exemplo para as gerações futuras. Isso é o Centro Cultural Movimento, isso é o Motostory, isso é o Bikestory.
*Nota da redação – infelizmente Ruy Ohtake nos deixou neste sábado, aos 83 anos, em decorrência de uma mielodisplasia, que é um tipo de câncer de medula. A entrevista foi feita antes de sua morte e, portanto, optamos por não cortar a pergunta em que ele é citado, como uma forma de mostrar quão grande este profissional foi dentro de seu ramo de atuação. Nós, da revista MOTOCICLISMO, lamentamos demais esta perda e desejamos os mais profundos sentimentos aos familiares do arquiteto.